O Espetáculo

por Camila Bauer

Se você tem o nome de um guerreiro,
terá que viver como se fosse um?
A vida e o mundo avançam muito rápido para que ele possa acompanhar todas as mudanças com a velocidade desejada.
"O melhor esconderijo" ou "a maior escuridão" já não lhe protegem.
Miguel tem medo de se expôr.
Miguel é um homem normal.

Vivemos em uma sociedade de crescente expectativa de vida, mas não confiamos na sustentabilidade de nossa previdência social, buscamos um aumento de renda, mas não acreditamos no seu poder de felicidade, estudamos religiões, crenças, nos transformamos em seres holísticos, tentando esquecer a precariedade de nossa ciência e a corrupção de nossa política. Queremos ser fortes, inteligentes e bonitos, com um bom poder aquisitivo, amados, idolatrados, salve-salve. E nisso, quase esquecemos de ser nós mesmos. Mas enfim, quem somos nós mesmos? 



A obra se constrói a partir de improvisações e de um texto fragmentado, composto por depoimentos, partículas de outros textos e pensamentos coletivos. Abordamos as diferentes perspectivas que nosso mundo suscita, provocando a identificação de qualquer ser humano a partir da formação e da figurativização de nossa sociedade.

O cenário é simples: um cubo de concreto, um espaço comum a cada um de nós, seres viventes e adormecidos. Um quarto, uma sala, um escritório, uma garagem, um refeitório, nosso interior, nossa prisão. Não é necessário um teatro: palco e platéia se fusionam em qualquer porão esquecido que serve de paisagem diante do olhar atento do espectador. Neste cubo comemos, dormimos, choramos, jogamos futebol, fazemos amor e pensamos. Pensamos? Em que? Nas inquietudes de nossas vidas mesquinhas e no fundo solitárias? Assim, em nossos cubos crescemos, vivemos e morremos. Mas enquanto isso? Enquanto isso esperamos, passamos o tempo, comemos pizzas e separamos o lixo. Rimos e choramos, às vezes, também. Vemos filmes, vamos ao supermercado e claro, aproveitamos as promoções. 

Esse é um espetáculo humorado, irônico e divertido, que pinta o melhor e o pior de nós, seres humanos. 

O dia em que aprendi a dizer NÃO questiona nossa hipocrisia, nossos medos, nossas barreiras. Em um cubo de concreto que pode ser qualquer lugar, a precariedade de luz elétrica aparece pela presença de quatro lâmpadas pendidas do teto e invadindo o espaço da cena. Estamos aqui e em todo lugar, tudo ao mesmo tempo. Quando conseguimos situar corpo e mente em um mesmo espaço e tempo? Por meio de Miguel, uma pessoa comum, especial e única como qualquer outra, o espetáculo questiona nossa ausência: corpo sem mente no tempo presente, mente sem corpo em qualquer tempo ou lugar. Queremos tudo e ao mesmo tempo. Em cena, uma bola para um lado e para outro, o ator no meio. E se você tivesse nome de anjo mas não fosse assim tão bonzinho, e se tivesse nome de guerreiro mas não quisesse lutar? Nossos medos e desejos, responsabilidades e paixões serão fusionados na figura de Miguel, homem, anjo e guerreiro, ser único que um dia aprendeu a dizer não.